Há exatamente um ano eu tive certeza de que era o fim da odisséia terrestre. O dia 17 de dezembro de 2006 foi tão estranho, mas tão surreal, que eu acreditei que seria o último da aventura humana na terra. Sabe quando tu te sente numa vibe meio Caetano? E fica cantarolando mentalmente o dia inteiro:
alguma coisa está fora da órdeeeEEeemm, fora da nóva órdem mundial? Mais ou menos isso. Acompanhe o desenrolar dos fatos para compreender o que eu digo:
- Nos dias anteriores ao fatídico 17, por ocasião de despedida, meus amigos (maioria gremista) e eu andávamos num clima festeiro, curtindo como se não houvesse amanhã. Perceba que a vibe juízo final já vinha se desenvolvendo.
- Depois de passar um bucólico e divertido sábado 16 na ZS, tomados pela alegria, resolvemos acampar num apartamento de um quarto só. Éramos seis (heh). Quatro de nós fomos pra festenha, dois ficaram dormindo. Detalhe importante: tava muito quente pra caralho. A ponto de tu achar um
brasil suado mais fresquinho do que a rua. Juro.
- Os tolos gremistas tinham decidido assar um churrasco DENTRO do apartamento no dia seguinte (quente como o inferno), pra comemorar o suposto “título mundial do Barcelona em cima do Inter”. Presunção pura.
- Pois bem. Entre ver o meu time perder sozinha em casa ou do lado de amigos beberrões, ainda que gremistas, escolhi a segunda opção. Entre ver o meu time ganhar e o mundo acabar sozinha em casa ou debochando dos gremistas e vendo eles assarem o churrasco dos perdedores, escolhi a segunda opção.
- Acordei cedo e de ressaca. Encaminhei-me para a sala, que mais parecia um albergue, e me preparei para assistir ao jogo cercada por três gremistas fanáticos. A neutra passaria o tempo todo inacreditavelmente desmaiada no sofá e a outra colorada continuou dormindo no quarto. Sim! Você estava dor-min-do!! Pior espécie de torcedor.
Nesse momento, preciso fazer uma pausa esclarecedora. Admito que não sou a pessoa mais futebolística do mundo. Atualmente, mal sei a escalação do meu time e quase não assisto aos jogos. Gosto de ir no estádio, mas acho que é mais uma coisa nostálgica, saca? Porque quando era pirralha ia bastante ao jogo com meu papito ou mesmo com a família inteira. Muita diversão. Naquela época eu torcia bastante mesmo. Cheguei a pedir a camiseta do Inter em um dos meus aniversários. E, bem, eu tinha direito só a três presentes caros no ano. Vejam só que garotinha pra lá de especial! =D
E, gente, eu tava na quinta série em 1995. Sabem o que é sofrer? A maioria esmagadora da minha turma de colégio era gremista. Eles penduravam as camisetas nas paredes da sala de aula . E os passeios de ônibus eram sempre iguais: gente pra cá, macaco pra lá. Sim, detestáveis gremistinhas. Mas eu agüentei firme. Longe das minhas amigas, longe dos gatinhos da turma. Continuei colorada. Mas a essas alturas (desculpa!) eu já estava totalmente acostumada a perder e chegava a acreditar que o Inter ganhar um título mundial era algo fora da minha realidade.
Retomando!
- Então fiquei lá eu berrando sozinha, totalmente histérica. Era o meu timeco do coração contra o time bambambam da Zoropa (sintam todo o conhecimento futebolístico da moça). E, acreditem, chegar ao intervalo no zero a zero já tava me impressionando horrores. E aos gremistas, também. Ah! O pânico naqueles olhinhos. Bem feito!!
- No segundo tempo eu já tinha me conformado com o título. Foi difícil, eu ia ter que me desprender de muitas crenças, mudar muitos conceitos e começar a viver num
whole new world. Ainda assim, parecia um bom negócio.
- Quanto mais o jogo se aproximava do final, mais eu repetia bemloca: ah não! Chegou até aqui sem tomar nenhum golzinho! Bora completar o milagre, pessoal!
- Quando o Gabiru (que eu nem sabia quem era. Heh) fez o gol, fiquei catatônica. Aí comecei a gritar pra acompanhar a bela adormecida (que acordou só pra parte boa, humpf) meio sem jeito porque nem era aquela empolgação que eu sentia no momento. Era estranhamento total. Acho que foi aí caiu a ficha do que tava acontecendo e que eu não assistia ao fato nem com meu papito, nem com meus primos e irmãos. Bizarro.
agora te conheço- Quando acabou o jogo, temendo pelo coração de meu progenitor, liguei para papis imediatamente pra me certificar de que estava vivo. Estava mais vivo do que nunca, e louco. Depois liguei pra minha irmã número 2, que estava aos prantos. Aí eu vi que era verdade, né?
Nesse momento eu comecei a estranhar muito a vida, o mundo e as pessoas. Os acontecimentos que seguiram definitivamente não estavam no gibi*. Tava muito quente, muito quente mesmo. E era aquele bando de gente enfiado num apartamento pequeno, assando churrasco ainda. Tudo amontoado, com roupa de ontem, as mina com cara de puta amanhecida. E os gremistas quase quiseram suspender a “comemoração”. Mas aí a gente mandou sifuder e que cumprissem com o almoço prometido. Idéia de jerico, claro. Seria mais sensato pedir uma pizza. Mas acho que nem seria possível, porque aquele foi o dia em que a Terra parou. Metade dos habitantes da cidade estavam concentrados na Goethe, a outra metade, em escondida em tocas. Uma amiga veio caminhando até o nosso inferno particular disse que não viu viva alma no caminho. Passamos bom tempo total out, como se num universo paralelo, assistindo Procurando Nemo (!) e derretendo, claro.
O interfone tocou de repente e retornamos ao
real whole new world. Era um dos amigos colorados, completamente transtornado, fora de si, alucinado. Ele vestia umas duas camisas do Inter, tinha outra amarrada como a capa do Super Homem e faixas japas do mundial amarradas por todo o corpo. Balançava uma edição especial da Zero sobre o título como se fosse uma bandeira. Queria ter uma foto disso (temos?). Nos cumprimentamos com uns pulinhos de alegria e ele sentou no chão pra ler o jornal em completo silencio. Bizarro.
Saindo da anestesia geral, percebemos que não tinha como continuarmos enfurnados dentro de casa e fomos tomar um sorvete logo ali. Não sei se teria sido pior ir a pé. Mas o fato é que colocamos todos, eu disse TODOS, dentro do carro pra ir até a sorveteria. Na hora foi total sensato. E foi com um sorvete de limão na mão que acompanhei a cena que, pra mim, representou toda a estranheza do dia em que esperei pelo juízo final.
A imagem de que falo não foi a de centenas de colorados bêbados comemorando em praça pública. Esse quadro teria sido uma renovação de esperança, creio. Só que não acompanhei nada disso. O que me deixou mais perplexa mesmo foi ver passar por uma José do Patrocínio deserta como em filme de zumbis, um azulzinho numa espécie de patinete motorizado. O esquema andava, sei lá, a uns 0,2 Km/h. Uma criança de dois anos pedalando um patinete padrão se moveria mais rápido. Não sei se todo mundo parou mesmo de falar naquela hora, ou eu que parei de escutar. Não sei se o mundo parou de girar mesmo, ou eu que parei de sentir. Sei que parei de prestar atenção em tudo pra acompanhar a longa cena: naquele solaço que raiava impiedoso– e que imaginei vermelhinho como nos símbolos japoneses –, um ponto azul se movimentava vagarosamente, sozinho, constante. Sem ressentimentos.
Adendo: Acho lindo quando alguém redige um texto que fala desse dia com todo o coração e sem nem lembra de ficar corneteando o Grêmio. Mas, bem, eu não teria como separar o timeco da Azenha dessa minha história, né? E, afinal, esse não é um texto sobre o Inter Campeão Mundial. Eu não teria moral ou conhecimento pra escrevê-lo. Esse é só um relato fiel do que aconteceu comigo no dia em que o mundo só não foi pro brejo porque os cavaleiros do apocalipse se distraíram comemorando com uma galera vermelha (confundiram com uma horda de diabinhos) e esqueceram de fazer o anúncio.
brega e surrupiado
* o mais legal dessa expressão é que ela é bem mais antiga que Heroes. heh